O futebol é só futebol

Gabriel Sawaf
3 min readJun 18, 2020

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O futebol prefere se isolar da sociedade enquanto a mesma se encontra perdida em uma pandemia / Foto: Gabriel Sawaf

Queria primeiramente pedir desculpas, não sei em nome de quem ou porque você fez alguma coisa de errado ao longo da vida, mas é preciso dizer.
Desculpa a você apaixonado por futebol.
Desculpa a você que se apaixonou por futebol por causa da torcida, maravilhosa, que fazia o estádio pulsar.
Desculpa a você que se apaixonou por futebol com grandes jogadas, pelos craques e lances inesquecíveis.
Desculpa a você que se apaixonou por futebol imitando seus craques durante a infância em jogos com amigos ou familiares, que gostava de fazer jogadas iguais, decorava chutes marcantes e tentava os reproduzir numa quadrinha de terra ou de asfalto.
Desculpa a você que se apaixonou por futebol com um gol do título, de um vaga, de um acesso ou até mesmo que evitou uma queda no último minuto.
Desculpa a você que se apaixonou por futebol com um chute do Baggio para fora numa final de Copa do Mundo.
Desculpa a você que se apaixonou por futebol após Marcos saltar e defender um pênalti de Marcelinho Carioca.
Desculpa a você que se apaixonou por futebol após Edilson, o capeta, meteu entre as pernas do Karembeu.
Desculpa a você que se apaixonou por futebol após Petkovic colocar uma falta na gaveta em uma final de carioca aos 43' do segundo tempo.
Desculpa a você que se apaixonou por futebol após o gol do Juninho, monumental.
Desculpa a você que se apaixonou por futebol por causa da barriga de Renato Gaúcho ou pela refeição de grama do Túlio.
Desculpa a você que se apaixonou por futebol após Robinho pedalar várias vezes e ser derrubado por Rogério na área.
Desculpa a você que se apaixonou por futebol Rogério Ceni parar no ar e defender uma cobrança de falta de Gerrard.
Desculpa a você que se apaixonou por futebol com um gol de falta de Geovanni para garantir um título inédito.
Desculpa a você que se apaixonou por futebol em meio a choro e vibrações por conta de uma defesa com o joelho de Victor.
Desculpa a você que se apaixonou por futebol quando Rafael Sobis rasgou a camisa do São Paulo
Desculpa a você que se apaixonou por futebol após 71 segundos que te levou do inferno ao céu nos Aflitos.
Desculpa a você que se apaixonou por futebol após Alex Mineiro aproveitar a sobra de Silvio Luiz, em chute de Fabiano, e estufar as redes.
Desculpa a você que se apaixonou por futebol com Tuta, Henrique Dias e Marcos Aurélio pedirem silêncio no estádio do rival.
Desculpa a você que se apaixonou por futebol com seu time conquistando seu estado cinco vezes seguidas e colocando os demais para trás.
Desculpa a você que se apaixonou por futebol com seu time conquistando o país longe de casa, após vencer uma batalha nos bastidores.
Desculpa a você que se apaixonou por futebol com gols de Cloadoaldo, Kuki, Carlinhos Bala, Magno Alves, Dênis Marques, Robgol, Obina e tantos nomes folclóricos e inesquecíveis.
Desculpa a você que se apaixonou por futebol por conta de outros times e momentos que eu não exemplifiquei (agora as desculpas são minhas mesmo), sabemos que o que você viu é tão enorme quanto o que foi dito.

Enfim, desculpa a todos, mas o futebol brasileiro não quer mais você. Não quer saber das suas histórias, da sua vida, dos seus sentimentos, da sua saúde. Não quer saber se nasceu um novo torcedor ou se um guerreiro de batalhas se foi. Não importa.

O futebol brasileiro só quer saber de si mesmo. Do dinheiro, dos patrocínios. Se quem está dentro de sua bolha está bem então está tudo ótimo, ou se não estiver, não tem problema, é só fazer uma “homenagem” em meio as práticas normais que tudo fica muito lindo. A máxima “não é só futebol” é muito bela, tem um significado profundo, mas na prática é melhor deixar só para ações de marketing ou para um determinado momento.

18 de junho de 2020, o dia que o futebol, pelo menos o brasileiro, definiu que é só futebol, com uma cerimônia ao lado de um hospital de campanha, em uma data que faleceram mais de 1200 pessoas por conta de uma pandemia.

E se você não vê problema algum ou apoia esta realidade, parabéns, você também é responsável pela tragédia que vemos.

Força para aqueles que ainda tentam, e acreditam, que podem mudar esta realidade.

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Gabriel Sawaf

28 anos. Jornalista. Curitiba. As vezes me sinto na obrigação de escrever o que sinto por aqui.