A final da Libertadores e a celebração da Pandemia

Gabriel Sawaf
4 min readJan 30, 2021

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A comemoração do gol do título! O momento sublime, que virou a mais pura representação da ignorância que é o Brasil e o seu futebol durante a pandemia (Reprodução Fox Sports)

O jogo mais esperado do continente sul-americano é a final da Libertadores da América. Todos os anos, isso já é um costume, principalmente desde 2019 quando o modelo de jogo único foi adotado. As pessoas param, confraternizações são marcadas, é um momento sublime principalmente para os torcedores de quem vai decidir o principal torneio da América.

Por conta da pandemia, a competição em 2020 foi bem diferente. Os torcedores, que são o principal atrativo do torneio, ficaram distantes. As arquibancadas vazias eram um símbolo da época que vivemos, do período complicado que passamos, das mortes que nos assolam, da luz no fim do túnel que cada dia parece estar distante. Porém, no Brasil, as coisas vão na contramão a muito tempo.

Desde quando foi cogitado o seu retorno, o futebol era um símbolo dos que queriam minimizar a pandemia, fingir que nada estava acontecendo, que tudo deveria voltar a normalidade o mais breve possível. Infelizmente, o principal esporte nacional virou um símbolo da indiferença, do egoísmo e da ignorância! Partidas foram realizadas na época em que a orientação era para as pessoas ficarem em casa e jogos aconteceram com um hospital de campanha montado no pátio do estádio. Um sinal do absurdo total!

O tempo passou e nós tivemos que nos adaptar a pandemia. O futebol, com seus diversos erros, seguiu e absurdos foramm notados. Com a ausência de público, a maneira que os torcedores encontravam para demonstrar a sua paixão era com aglomerações nos aeroportos e na chegada dos estádios. Uma imagem completamente normal e bonita em tempos comuns, infelizmente não agora. Quem devia cobrar, aplaudia. Eram inúmeros posts da imprensa enaltecendo os fãs, como se estivesse tudo bem, que aquilo não poderia trazer reflexos nas pessoas e no sistema de saúde.

A pandemia também ia seguindo seu caminho. Enquanto a bola rolava e as pessoas se aglomeravam para ver os jogos ou saudar os seus “guerreiros”, o Brasil teve o maior platô de mortes do planeta, as coisas não se alteravam. O governo aproveitava todas as oportunidades para minimizar tudo. A tragédia está aí até hoje, mais de 200 mil mortes, 50 mil casos novos todos os dias, média de mil vidas perdidas diariamente e o discurso negativista segue em alta.

Voltemos para a final da Libertadores. O clima de que as coisas não seriam boas já pairavam no ar pelos itens já apresentados antes. Só que chegou o dia e todos tomamos um susto: cinco mil torcedores colados na arquibancada do Maracanã. Não havia distanciamento, muitos sem máscaras. Seria uma cena de tempos normais, se não fosse o fato de que o resto do estádio estava vazio. Eram cinco mil pessoas colocadas em um lugar destinado para cinco mil pessoas. Parecia piada. Fotógrafos que seguiram um protocolo rigoroso durante toda a competição, permanecendo da arquibancada em grupos pequenos, foram colocados no gramado como se tudo já estivesse normal.

A belíssima imagem feita no Maracanã para os profissionais de saúde (Reprodução SBT)

O jogo seguiu e eu não tive estômago. A transmissão colocava as imagens de torcedores durante a partida, sem máscara, colados. Desliguei a televisão e fui escutar o jogo no rádio. Não precisava das imagens para saber do absurdo que estava sendo realizado na capital carioca. O ápice da ignorância parecia ser quando o técnico Cuca foi expulso e foi para o meio da arquibancada, recheada de torcedores. Ali o protocolo já estava sendo colocado nos nossos intestinos.

Porém, o momento sublime da decisão, a imagem que ficará guardada na mente de todos os palmeirenses (com toda a razão), também será o retrato da vergonha, da ignorância e de como o Brasil encara a pandemia. Breno Lopes faz o gol nos acréscimos, tira a camisa e vai para a torcida. Uma festa intensa, que seria maravilhosa, uma cena épica em dias sem pandemia. Só que mais uma vez, o período não é para isso e ganhamos a representação do ano. Pessoas se abraçando, sem máscara, como se tudo estivesse acabado. Depois, na festa com a taça, a cena se repetiu.

O Maracanã, templo do futebol mundial, fecha a temporada de 2020 como palco da ignorância e da vergonha. O início com o jogo entre Flamengo x Bangu, com um hospital de campanha montado na área externa, e o fim (ainda não, mas próximo), com uma aglomeração. Tudo representa o que o Brasil fez e fará para a pandemia chegar em dados cada vez piores.

No fim, fica a tristeza. Libertadores sempre foi sinônimo de festa, alegria, de glória. Não, não estou dizendo para torcedores do Palmeiras não comemorarem. Comemore! Principalmente você que sabe que foi responsável, que se cuidou, que viu o jogo com quem você se ama, consciente de tudo que estamos vivendo. É um jogo que você vai contar para o resto da vida! A parte triste se deve pelo futebol cada vez mais ser usado como um símbolo da ignorância, do relativismo e da estupidez.

Me revoltei quando começaram a cogitar o retorno do futebol em plena época de quarentena, quando voltaram com os jogos do lado de um hospital de campanha. Não seria diferente agora. E, como disse das outras vezes, infelizmente, querem que o futebol seja só 22 jogadores correndo em campo atrás de uma bola. Cabe a nós, torcedores, profissionais, que somos apaixonados por esse esporte, lutarmos para que o futebol seja visto sempre como uma paixão, não como um ato de escrotidão.

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Gabriel Sawaf

28 anos. Jornalista. Curitiba. As vezes me sinto na obrigação de escrever o que sinto por aqui.